As hipocrisias do Lingerie Day
11Há quatro anos o Twitter é invadido pelo #LingerieDay, dia em que as mulheres trocam seus avatares normais por fotos de seus corpos em roupas de baixo. Se a revolução sexual já passou, por que ainda há tanto preconceito com as meninas que se engajam nesta brincadeira virtual?
Todo dia 28 de Julho (esse ano 26) um sagrado movimento em massa invade o Twitter para deliciar os olhares de quem está presente na rede. Trata-se do #LingerieDay, brincadeira no qual as meninas colocam fotos suas de lingerie para estampar os seus perfis. Alguns garotos também acabam participando da brincadeira e postando suas fotos em cuecas. Diversos blogs fazem concursos com as fotos das meninas. Suas imagens vão parar em portais de notícias e o termo #LingerieDay lidera o Trending Topics dos assuntos mais comentados no micro-blog.
Porém, no mesmo dia, o Twitter também é invadido por uma onda de puritanismo, preconceito arraigado e rótulos. Tudo em pleno século XXI, quando achamos revoltante mulheres árabes usarem burca e elas sequer poderem estudar, votar e dirigir. As muçulmanas estão lá do outro lado do planeta, dentro de uma cultura totalmente diferente da ocidental, onde o poder do homem impera. Mas a hipocrisia faz certas pessoas acharem a repressão à mulher árabe absurda, ao mesmo tempo em que elas rotulam que a menina que participa do #LingerieDay é promíscua, aparecida, fácil, fútil e o que mais o degradante palavreado quiser.
Para começar, os rótulos que brotam durante o #LingerieDay começam justamente pelo aspecto físico das participantes. Por mais que a internet seja um meio democrático e a participação de mulheres com os mais variados biotipos seja super bem-vinda no dia, comentários desagradáveis para quem foge do rótulo imposto pela ditadura da beleza photoshopada são bem incisivos. Seja gorda com peito caído ou magra com as costelas aparecendo, alguém soltará um comentário ácido se algo está fora do lugar em seu corpo. Como se todas fóssemos extremamente perfeitas. E mesmo essas, são, como eu disse, estrategicamente photoshopadas em suas imagens digitais.
Em segundo lugar, está a confusão tão comum de qual é o objetivo central do #LingerieDay. A discussão vai muito além de uma simples questão de taxá-lo como uma onda de machismo ou feminismo virtual. O #LingerieDay não é nem machista, por que não trata nenhuma menina como objeto, e nem tão pouco feminista, por que não é um movimento de protesto de mulheres contra os homens. Sei que muitos esquecem e adoram rotular tudo como movimento disso, marcha daquilo… Mas o #LingerieDay não se encaixa em nada disso por se tratar de uma BRINCADEIRA e nada além disso. Nada sério ou grave, e sim leve e descompromissado como a sensualidade deve ser. Se tem alguém que levanta qualquer bandeira no dia, precisa realmente rever seus conceitos do que é protestar.
Por último, e julgo a mais grave de todas, está a questão moral que envolve o #LingerieDay. Biscate e puta certamente são os termos mais lights do qual algumas das participantes são rotuladas por puritanos internautas no dia. Não preciso ficar aqui relembrando ninguém que durante boa parte do século passado a mulher lutou por seus direitos sexuais através de hippies queimando sutiãs, a saída para o mercado de trabalho, a escolha do momento da gravidez pela pílula anticoncepcional, a camisinha, a polêmica do aborto (cujas mulheres de alguns países tem direito e outras não) e a eterna busca pela igualdade ou, no mínimo, respeito mútuo pelos membros do sexo masculino. Sendo assim, passada toda essa história dos direitos da mulher, qual é a gravidade de se participar de uma brincadeira como a do #LingerieDay?
Todo ser humano é um objeto sexual. A sensualidade está em nosso instinto básico, pois é o que faz a nossa espécie perpetuar, por mais que certas religiões insistam em reprimir este ponto. Hoje, depois de todas as lutas citadas pelo qual a mulher passou em busca de seus direitos sexuais, qual é o problema em ela assumir a sua inerente sensualidade e expô-la, de forma leve e despojada, em seu avatar no Twitter? O rótulo de que toda mulher que aparece em poses sensuais é vazia de ideias e cheia de putaria é mais arraigado do que achar que a Terra é quadrada. O preconceito de que as meninas que participam do #LingerieDay são burras como uma porta e putas como uma vadia no cio só devem fazer algum sentido para os preconceituosos que nunca se deram ao trabalho de saber quem são essas meninas de verdade, o que querem, sonham, sentem, pensam, amam e realizam. E perdão se alguém que esteja lendo este texto se choca facilmente com palavrões, mas eufemismos neste momento se mostram bem descabidos.
Não estou aconselhando ninguém a, a partir de amanhã, sair colocando fotos de nudez nos avatares. As mulheres precisam sempre se perguntar o que faz sentido para elas, para a moral e consciência delas. Se ela não se sente a vontade com seu corpo, possui valores religiosos ou profissionais que a impede de participar de brincadeiras como a do #LingerieDay, ou simplesmente não está com vontade, essa menina precisa ser respeitada, tanto quanto aquela que se engaja e participa, pois é direito intrínseco de cada uma a liberdade de escolha de se expor ou não.
O sucesso crescente do #LingerieDay em termos de audiência, acesso e interesse da mídia tradicional e da publicidade por ele, vislumbra que nas próximas edições teremos mais participantes e, consequentemente, maior repercurssão. Será interessante também que na timeline durante a próxima edição tenhamos menos hipocrisia, menos “putas”, “biscates”, “gordas” e “magrelas”, e mais “lindas”, “gostosas” e outros elogios preenchendo os 140 caracteres de exaltação aos corpos femininos vestidos de calcinhas e sutiãs, totalmente despidos do antigo ranço do falso moralismo.
Nota do editor: Texto adaptado do Pensamentos Plásticos, antigo blog da Mariana Bonfim.
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Daniel